JANAÚBA
(por Luiz Ribeiro) – O vigia Damião Soares dos Santos, de 50 anos, que em 5 de
outubro ateou fogo na creche Gente Inocente, em Janaúba, causando as mortes
dele próprio e de outras 11 pessoas – nove crianças, uma professora e uma
funcionária da instituição –, além de ter deixado mais de 40 feridas, sofria de
transtorno psiquiátrico, com delírio persecutório (mania de perseguição),
apontam as investigações. Damião, que premeditou o crime, estava afastado da
função. Mas o vigia que o substituiu no Centro Municipal Educação Infantil
(Cemei), de 50 anos, também sofre de problemas
psiquiátricos e chegou a declarar em depoimento que “não suportava ficar perto
de crianças quando elas brincavam, por conta dos gritos”. Ele foi afastado
depois da tragédia.
A
informação consta da ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública
Estadual em Janaúba contra o município, cobrando indenização para as famílias
vítimas da tragédia na creche, que causou comoção no Brasil e no mundo e
despertou reação até do papa Francisco. Além de nove crianças e do autor,
morreram na tragédia a professora Heley de Abreu Batista, de 43; e a auxiliar
de professora Geny Oliveira Lopes Martins, de 63 anos – ela ficou internada em
Belo Horizonte e morreu 31 dias após o ataque.
A
ação foi protocolada pelo defensor público Gustavo Dayrell. Além de
indenizações individuais para as vítimas e/ou suas famílias, ele solicita
pagamento pela prefeitura de R$ 3 milhões por danos coletivos, com a destinação
do montante para o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de
Janaúba, para serem aplicados em ações em favor da infância e da adolescência.
De acordo com o defensor, “após o juiz reconhecer a responsabilidade do
município”, seriam feitos os cálculos dos valores individuais para as famílias,
de acordo com cada caso.
Na
ação, é feito também um pedido de liminar para o pagamento imediato pela
prefeitura de um valor mensal para as mães e pais que ficaram impedidos de
trabalhar pela necessidade de cuidar dos filhos vítimas do incêndio. A mesma
solicitação vale para familiares da servidora Geny Lopes Martins, que ajudava a
manter o sustento da casa.
Na
representação são anexadas cópias de reportagens do Estado de Minas que mostram
a situação de pobreza das famílias das vítimas do incêndio no Cemei e a
expectativa delas de receber alguma indenização da prefeitura.
O
defensor público cobra a indenização sob o argumento de que “em virtude da
posição de garantidor, o município é responsável pela incolumidade
(integridade) física das crianças enquanto estiverem nas dependências da
creche, respondendo por qualquer lesão sofrida, seja qual for sua natureza.
Também aponta que houve omissão por parte da municipalidade por permitir o
funcionamento da creche mesmo sem alvará do Corpo de Bombeiros, sendo que o
prédio não contava com extintores e com saída de emergências.
NEGLIGÊNCIA
Gustavo
Dayrell lembra que o vigia Damião Soares dos Santos tinha “graves problemas
psiquiátricos”, com delírio persecutório, quadro que apresentava desde 2014 e
que havia indícios de que o fato era de conhecimento poder público, sem o
afastamento imediato do servidor. O defensor sustenta ainda que houve
negligência por parte da Secretaria Municipal de Educação de Janaúba em relação
ao vigia indicado para substituir Damião na Creche Gente Inocente, que também
apresenta problemas mentais.
“Há
relatos de negligência da Secretaria Municipal de Educação no que tange ao
outro vigia da Creche Gente Inocente, que, muito
embora tivesse alertado sobre seus graves problemas psiquiátricos, ainda assim
fora designado para trabalhar em creches municipais (..)”, diz a ação.
Em
depoimento prestado na Defensoria Pública, ele, que começou a
trabalhar na Prefeitura de Janaúba em 2008 (junto com Damião), informa que
começou a prestar serviço em uma biblioteca em 2010 e que em dezembro de 2014
foi transferido para a Creche Neusnária Mendes. Informou que em maio deste ano
foi “convocado” para trabalhar no Cemei Gente Inocente, em substituição ao
vigilante Damião Soares, que tiraria “férias”. O documento encaminhado à
Justiça informa ainda “que o declarante falou sobre seu estado de saúde mental
debilitado e alertou que já tinha, inclusive, protocolado há mais tempo em tal
Secretaria (Municipal de Educação) os laudos médicos atestando tais problemas
(…) e que o remédio que toma lhe dá reações negativas, como desconcentração e
sonolência”.
ALERTAS
No
depoimento, o vigia diz ainda que ficou afastado por 45 dias, mas que depois
“recebeu telefonema da Creche Gente Inocente para novamente cobrir ‘férias’ de
Damião, que tinha adoecido”. Ele afirma ter alertado “que não tinha condições
psicológicas de trabalhar na creche”, mas que mesmo assim foi mantido no
trabalho na unidade, de onde foi afastado somente após o incêndio. Ainda no
depoimento prestado à Defensoria Pública, ele diz que “não suportava ficar
perto de crianças quando elas brincavam, por conta dos gritos”.
Na
ação é citado ainda depoimento da psicóloga Antunes Cristo Barbosa Costa, que
informa ter atendido o vigia em
agosto e que ele “relatou que sentia desconforto com os barulhos habituais das
crianças, aumentando seu estado de nervosismo”.
Ouvida
pela reportagem do EM (Estado de Minas) na tarde de ontem, terça-feira, dia 21
de novembro, a procuradora da Prefeitura de Janaúba, Neide Lopes Lacerda, disse
que a municipalidade não tomou conhecimento de nenhuma documentação recebida
pela prefeitura que atestasse que o vigia sofre de problemas
psiquiátricos. “A administração somente pode afastar o servidor por doença
mental mediante documento que ateste a sua incapacidade para o serviço devido
aos problemas mentais”.
A
procuradora disse que a prefeitura somente vai se manifestar sobre a ação civil
pública ajuizada pela Defensoria Pública Estadual cobrando indenização para as
famílias das vítimas da tragédia na Creche Inocente quando for notificada pela
Justiça, o que ainda não ocorreu. Ela também não quis comentar sobre uma
proposta de acordo da prefeitura a ser apresentada às famílias para evitar
demanda judicial, o que já tinha sido anunciado pela própria administração
municipal. (Fonte: jornal Estado de Minas e portal uai.com.br, 22 de novembro
de 2017)
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